sábado, 16 de julho de 2011

Leituras cordelistas

OS SETE CONSTITUINTES  (Antônio Francisco Teixeira de Melo)

Os sete constituintes:
Quem já passou pelo sertão e viu o solo rachado, a caatinga cor de cinza, duvido não ter parado, para ficar olhando o verde do juazeiro copado.
E sair dali pensando, como pode a natureza, num clima tão quente e seco, numa terra indefesa com tanta adversidade criar tamanha beleza.
O juazeiro, seu moço, é pra nós a resistência, a força, a garra e a saga, o grito de independência, do sertanejo que luta na frente da emergência.

Nos seus galhos se agasalham do periquito ao cancão é hotel de retirante que anda de pé no chão, o general da caatinga e o vigia do sertão.
E foi debaixo de um deles que vi um porco falando, um cachorro e uma cobra, e um burro reclamando, um rato e um morcego e uma vaca escutando.

Isso já faz tanto tempo que nem me lembro mais se foi pra lá Fortim se foi pra cá de Cristais, eu só me lembro direito do que disse os animais.
Eu vinha de Canindé, com sono e muito cansado quando eu vi perto da estrada um juazeiro copado, subi armei minha rede e fiquei ali deitado. Como a noite estava linda, procurei ver o cruzeiro, mas cansado como estava, peguei no sono ligeiro, só acordei com os gritos debaixo do juazeiro.

Quando olhei para cima, eu vi um porco falando, um cachorro e uma cobra, e um burro reclamando, um rato e um morcego e uma vaca escutando.



O dizia assim:
Pelas barbas do capeta!!!
Se nós ficarmos parados
a coisa vai ficar preta ...
Do jeito que o homem vai
Vai acabar o planeta.

Já sujaram os sete mares
Do Atlântico ao mar Egeu
As flores estão capengas
Os rios da cor de breu
E ainda por cima dizem
Que o seboso sou eu.

Os bichos bateram palmas
O deu com a mão
O se levantou e disse:
“Prestem atenção”
Eu também já não suporto
Ser chamado de ladrão.

O homem sim mente e rouba
Vende a honra e compra o nome
Nós só pegamos a sobra
Daquilo que ele come
É somente o necessário
Para saciar a “nossa fome”

Palmas, gritos e assovios
Ecoaram pela floresta
A se levantou
E disse franzindo a testa:
-”Eu convivo com o homem
Mas sei que ele não presta”.

È um mal agradecido
Orgulhoso e inconsciente
É doido e se faz de cego
Não sente o que a gente sente
E quando nasce é tomando
A pulso o leite da gente.

Entre aplausos e gritos
A se levantou
E ficou na ponta do rabo
E disse: “também eu sou
Perseguida pelo homem
Pra todo canto que vou”

Pra vocês o homem é ruim
Mas para nós ele é cruel
Mata a cobra e tira o couro
Come a carne e estoura o fel
Descarrega todo ódio
Em cima da cascavel

É certo, que eu tenho veneno
Mas nunca fiz um canhão
E entre mim e o homem
Há uma contradição
O meu veneno é na presa
E o dele é no coração

Entre os venenos do homem
O meu se perde na sobra...
Numa guerra o homem mata
Centenas numa manobra
Inda tem cego que diz:
Eu tenho medo de cobra.

A ainda quis falar
Mas de repente um esturro
É que o pulando
Pisou no rabo do
E o burro partiu para cima do
Para dar-le um murro.

Mas o notando
que ia acabar a paz
Pulou na frente do
E disse: - “calma rapaz!!...
Baixe a guarda abra o casco
Não faça o que o homem faz”

O pediu desculpas
E disse: - “muito obrigado
Me perdoe se fui grosseiro
É que ando estressado
De tanto apanhar do homem
Sem nunca ter revidado”,

O disse: - “seu
Você sofre porque quer
Tem força por quatro homens
Da carroça é chofer
Sabe dar coice e morder
Só apanha se quiser”

O disse: - “eu sei
Que sou melhor que ele
Mas se eu morder o homem
Ou se eu der um coice nele
É mesmo que estar trocando
O meu juízo no dele.

Os bichos todos gritaram
“ ... Muito bem!”
O disse: - “obrigado
Mas aqui ainda tem
O e o
Querem falar também”

O disse: - “amigos
Todos vocês têm razão
O homem é um quase nada
Rodando na contra mão
Um quebra-cabeça humano
Sem prumo e sem direção

Eu nunca vou entender
Porque o homem é assim
Se odeiam, fazem guerra
E tudo quanto é ruim
E a vacina da raiva
Em vez deles, dão em mim.

Os bichos bateram palmas
E gritaram: - “vá em frente”
Mas o parou
Disse: - “obrigado gente
Mas falta ainda o
Dizer o que sente”.

O abriu as asas
Deu uma grande risada
E disse: “eu sou o único
Que não posso dizer nada
Porque o homem para nós
Tem sido até camarada”

Constrói castelos enormes
Com torres sino e badalo
Põe cerâmicas e azulejos
E dão pra gente morar
E deixam milhares deles
Nas ruas sem ter um lar

O bateu asas
Se perdeu na escuridão
O pediu a vez
Mas não ouvi nada não
Peguei no sono e perdi
O fim da reunião

Quando o dia amanheceu
Eu desci do meu poleiro
Procurei os animais
Não vi nem o roteiro
Vi somente umas pegadas
Debaixo do juazeiro

Eu disse olhando as
Se essa reunião
Tivesse sido por nós
Estava coberto o chão
De piúbas de cigarros
Guardanapos e papelão

Botei a maca nas costas
E saí cortando o vento
Tirei a viagem toda
Sem tirar do pensamento
Os sete bichos zombando
Do nosso comportamento.

Hoje quando eu vejo na rua
Um morto no chão
Um mulo piado
Um homem com um facão
Agredindo a natureza
Eu tenho plena certeza
Os bichos tinham razão.

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